No
seguimento do post anterior, no qual foi analisada a infraestrutura
de percurso ciclável da Avenida do Colégio Militar em Lisboa,
apresenta-se neste artigo uma proposta de organização dos vários
percursos públicos da referida avenida, nomeadamente estrada,
ciclovias e passeios. Note-se que esta é apenas uma das várias
soluções possíveis, tendo-se procurado uma solução que
privilegie os modos suaves de mobilidade (peões e bicicletas), em
detrimento dos veículos motorizados, nomeadamente no que diz
respeito a prioridades e importância.
Procurou-se
igualmente minimizar as intervenções nas infraestruturas
existentes, em particular nos passeios.
O
artigo está desenvolvido em duas partes, sendo a primeira dedicada à
apresentação do perfil do arruamento proposto e a segunda dedicada
à apresentação de propostas de intersecção de arruamentos
secundários com a Avenida do Colégio Militar, com ausência de
semáforos.
Parte
1 – Perfil de arruamento proposto.
Partindo
da organização existente, com uma faixa de circulação em cada
sentido e estacionamento do lado nascente do arruamento, apresenta-se
a seguinte proposta:
1 – Manutenção do passeio existente, que apresenta uma largura generosa. Propõe-se apenas a remoção dos monges existentes ao longo do arruamento, sendo colocadas árvores de folha caduca em sua substituição. As árvores funcionam igualmente como elementos dissuasores de parqueamento automóvel no passeio, tendo a mais valia de servir como absorvente acústico entre a estrada e as habitações, entre outras vantagens.
2
– Ciclovia pintada (cycle lane)
com uma largura de 1,25m para a circulação de bicicletas no mesmo
sentido que a circulação automóvel, ou seja, sentido Norte-Sul. A
ciclovia pintada é, de todas as formas de circulação dedicada a
bicicletas, a menos onerosa e de execução mais simples. É, no
entanto, essencial respeitar algumas regras na sua execução,
nomeadamente: a) inexistência de obstáculos físicos na mesma, tais
como sarjetas, tampas de esgoto, pavimento em mau estado, etc; b)
evitar utilizar este tipo de infraestrutura ao longo de
estacionamento automóvel, uma vez que tal potencia situações de
conflito dos veículos automóveis com as bicicletas, tais como
manobras de estacionamento e abertura de portas; c) não utilizar
este tipo de infraestrutura em vias de circulação automóvel de
velocidade superior a 50Km/h, uma vez que a mesma não apresenta
elementos de protecção física, sendo desejável que este tipo de
ciclovia esteja associado a sistemas de redução de velocidade; d)
acautelar as situações de cruzamento com veículos automóveis,
particularmente perigosas nos casos em que os automóveis queiram
virar à direita, interseptando a ciclovia (mais à frente será
apresentada uma das soluções possíveis para este tipo de
situações).
Caso
sejam respeitadas estas regras, a solução de ciclovia pintada
apresenta diversas vantagens, nomeadamente: custo reduzido; espaço
dedicado criando condições de dignidade e segurança para os
ciclistas; inexistência de conflito com peões, devido ao facto de a
ciclovia de se encontrar ao mesmo nível da faixa de circulação
automóvel.
A
principal desvantagem desta solução é a falta de protecção
física relativamente à circulação automóvel. Tal pode gerar
situações de interrupção da circulação das bicicletas devido a
estacionamento ou paragem indevida de automóveis sobre a mesma, bem
como não garante uma segurança tão eficaz para os ciclistas, o que
pode ser inibidor para a utilização por parte de ciclistas menos
experientes.
3 –
Faixas de circulação com largura reduzida. A existência de uma
faixa de circulação automóvel para cada sentido com apenas 2,75m
de largura obriga à redução de velocidade de circulação. Esta
largura de faixa de circulação associada a uma largura reduzida de
ciclovia (1,25m) não permite o estacionamento ou paragem de
automóveis na ciclovia, uma vez que o somatório das larguras de
ambas as faixas de circulação (ciclovia e circulação automóvel)
não dispõe de largura suficiente para dois carros lado a lado.
4 –
Estacionamento automóvel com largura reduzida. Ao atribuir-se a
largura mínima de estacionamento (2m), garante-se que não existe um
aproveitamento da largura excedente de estacionamento para a
circulação automóvel, promovendo, assim, uma redução da
velocidade da circulação automóvel.
5
– Zona de protecção (buffer).
A fim de evitar situações de conflito entre o estacionamento
automóvel e a ciclovia do lado nascente, nomeadamente devido a
abertura de portas, propõe-se a criação de uma zona de protecção
com cerca de 0,75m de largura, na qual poderão ser colocadas árvores
de folha caduca de modo a evitar a ocupação da mesma com
estacionamento automóvel.
6 –
Ciclovia segregada. Devido ao facto de existir estacionamento
automóvel neste sentido de circulação, propõe-se que a faixa de
circulação de bicicletas seja feita de forma totalmente separada
dos automóveis, a fim de evitar situações de conflito do
estacionamento automóvel com a ciclovia. A fim de evitar situações
de conflito com peões, nomeadamente a circulação de peões na
ciclovia, a mesma deverá estar a um nível inferior ao da circulação
pedonal. Este desnível não deverá ser superior a 6cm, para não
criar obstáculos ao ciclo normal do pedal.
Devido
ao facto de este tipo de ciclovia estar confinado por barreiras
físicas (lancil em ambos os lados), deverá ter uma largura superior
à da ciclovia pintada, a fim de permitir a circulação de
bicicletas a velocidades diferentes.
7 –
Passeio existente. O passeio nascente tem uma largura inferior ao
passeio poente, sendo que em caso algum deverá ter uma largura
inferior a 1,5m.
Parte
2 – Intersecções de arruamentos sem semáforos.
Como
foi dito na introdução deste artigo, pretende-se com a presente
proposta privilegiar os modos suaves de mobilidade em detrimento da
circulação automóvel. Esta opção prende-se com o facto de a
situação actual, ao colocar nos peões a responsabilidade e cautela
nos atravessamentos da circulação automóvel, potenciar acidentes
graves, nomeadamente quando se trata de crianças, idosos ou pessoas
com mobilidade ou visibilidade reduzida.
Pretende-se
inverter essa situação, através de medidas simples que colocam os
carros no espaço do peão, em detrimento da situação actual, em
que é o peão que se coloca no espaço do automóvel. As três
situações seguintes têm em comum o facto de colocar o peão em
primeiro lugar, os ciclistas em segundo estando a circulação
automóvel em terceiro lugar, em questões de prioridade.
Tal é
feito através das diferenças de níveis e de materiais dos diversos
espaços de circulação. Em todas as situações apresentadas
colocam-se os arruamentos adjacentes como arruamentos secundários,
sendo os mesmos de distribuição e não de circulação. Nesse
sentido, propõe-se que no cruzamento com a circulação pedonal
(passeio) a circulação automóvel seja interrompida, em vez de se
interromper o passeio. Ou seja, nessas situações o passeio e
ciclovia mantêm-se contínuos, desenvovlvendo-se ambos à cota do
passeio, sendo a estrada interrompida pelos mesmos. Tal fará com que
os condutores sintam que estão a entrar em espaço pedonal, em vez
de fazer com que os peões entrem no espaço dos automóveis.
Na
situação de atravessamento de peões com a avenida propõe-se
igualmente que os mesmos não sintam que estão a entrar totalmente
no espaço automóvel, através da elevação da passadeira para
cotas próximas da cota do passeio. Esta solução permite não só
dignificar a posição do peão, bem como garantir a redução de
velocidade da circulação automóvel, e ainda permitir uma correcta
mobilidade pedonal, em particular a pessoas com mobilidade reduzida.
Relativamente
ao cruzamento da circulação automóvel com as bicicletas, a viragem
do automóvel à direita é, geralmente, a situação mais
susceptível de causar acidentes, devido à fraca visibilidade do
condutor relativamente às bicicletas que circulam no mesmo sentido.
Apresentam-se de seguida soluções para as diversas situações que
podem ocorrer neste caso.
Situação
A – Intersecção com faixa de circulação auotmóvel com
estacionamento.
Devido
à existência do estacionamento automóvel, bem como da zona de
protecção, a ciclovia não está adjacente à faixa de circulação
automóvel, sendo que essa distância entre a faixa de circulação e
a ciclovia é suficiente para que um automóvel que vire à direita,
antes de se cruzar com a ciclovia, já se encontre numa posição com
bastante visibilidade sobre a ciclovia. Ao colocar-se a ciclovia à
mesma cota do passeio, cerca de 12cm acima da cota da circulação
automóvel, cria-se um elemento de redução de velocidade.
Relativamente
à situação em que os ciclistas tenham de cruzar a faixa de
circulação automóvel (avenida), existem duas possibilidades.
Circulação
na avenida e virar para a rua adjacente: Como as ciclovias são de
sentido único, quem circule no sentido Norte-Sul e queira virar à
esquerda, para o arruamento secundário, terá de parar antes de
atravessar. A fim de permitir uma normal circulação na ciclovia e
estrada, propõe-se a criação de uma bolsa do lado direito da
ciclovia, servindo a mesma com elemento de espera para o
atravessamento.
Circulação
na rua adjacente e virar para a avenida (sentido Norte-Sul): Nesta
situação, e devido ao espaço entre a ciclovia e a avenida referido
anteriormente, existe naturalmente um espaço de espera que serve
tanto para as bicicletas, como para os veículos automóveis. No
entanto propõe-se que este espaço de espera seja priortário para
as bicicletas, a fim de garantir que as mesmas ficam à frente dos
carros, por questões de visibilidade.
Situação
B – Intersecção com faixa de circulação auotmóvel sem
estacionamento.
Neste
caso, a ciclovia é adjacente à faixa de circulação automóvel,
pelo que não existe a zona de protecção como na situação
anterior. Assim sendo, e a fim de criar essa zona de protecção
propõe-se que seja efectuado um desvio no traçado da ciclovia, de
forma a afastá-la da faixa de circulação automóvel, crinado a
zona de espera para os automóveis em que os mesmos ficam numa
posição com melhor visibilidade sobre a ciclovia. Na zona de
intersecção com o arruamento adjacente, a ciclovia é elevada para
a cota do passeio, criando assim um elemento de redução da
velocidade automóvel.
Circulação
na rua adjacente e virar para a avenida (sentido Sul-Norte): Tal como
na situação do entroncamento do lado oposto, o espaço de espera
entre a ciclovia e a avenida é partilhada entre os autmóveis e as
bicicletas, sendo prioritária para as bicicletas.
Circulação
na avenida (sentido Sul-Norte) e virar para a rua adjacente. Devido
ao espaço existente entre a ciclovia e a avenida, proporcionado pelo
estacionamento e zona de protecção, é possível criar duas zonas
de espera, uma para entrada na ciclovia e outra para cruzamento da
avenida, sem desviar o traçado da ciclovia.
Situação
C – Cruzamento.
Em
caso de cruzamento, aplicam-se as soluções propostas para os
entroncamentos, em ambos os lados.
Tal
como referido no início do artigo, esta é apenas uma das várias
possibilidades de faixas dedicadas à circulação de bicicletas.
Para que as mesmas funcionem para o dia a dia, e não apenas para
lazer, deverão ser práticas, acompanhar o traçado da circulação
automóvel, e ter o mínimo de interrupções possíveis. Deverão,
igualmente, ser minimizadas as eventuais situações de conflito
entre as várias formas de circulação.
No
entanto, para que as ciclovias sejam de facto eficazes como forma de
commuting não deverão surgir de forma esporádica, mas sim
fazer parte de uma rede que não deixe os ciclistas sem saber por
onde circular quando as mesmas terminam. Não quer dizer que todas as
ruas deverão ter ciclovias, uma vez que grande parte das ruas de
Lisboa, dadas as suas características, deverão ser de circulação
automóvel de velocidade inferior a 30Km/h, podendo as mesmas ser
perfeitamente partilhadas entre bicicletas e veículos motorizados.
Mais importante que a criação de ciclovias é a desprioritização do veículo automóvel como meio de transporte urbano, sendo que o ideal seria a adopção de medidas que desincentivem o uso do mesmo nos centros urbanos, nomeadamente:
- Redução da velocidade máxima de circulação para 30Km/h.
- Tolerância zero para o estacionamento anárquico. O estacionamento em segunda fila, em cima de passeios e passadeiras é, possivelmente, o maior causador de problemas de circulação, quer seja de veículos ou pedonal. A situação torna-se particularmente grave no caso da ocupação de passeios ou de passadeiras criando sérios entraves a pessoas com mobildade reduzida que se vêm frequentemente em situações de privação de mobilidade autónoma.
- Sincronização de semáforos para as formas de mobilidade suave nomeadamente através da abertura dos mesmos para a velocidade de 20Km/h (green wave) simplificando a circulação de bicicletas e reduzindo a velocidade de circulação automóvel, mas também aumentando os tempos de atravessamento de peões para 0,4m/s conforme a legislação em vigor.
Devolver
a cidade aos cidadãos, através da promoção de mobilidade não
motorizada permitirá recriar as relações de vizinhança e, por
consequência, aumentar a participação cívica dos cidadãos na
vida dos seus bairros.